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terça-feira, 26 de abril de 2011

Um grande equívoco teórico-didático

Paulo conhecia todas as letras, sabia o som que tinham, juntava e formava sílabas, mas não era capaz de ler e escrever um texto simples, no terceiro ano do Ensino Fundamental.

O caso de Paulo deixa evidente um equívoco muito grande que se consolidou com a Teoria Construtivista de Emília Ferreiro.

Emília Ferreiro e Ana Teberoski fizeram em sua pesquisa uma primeira classificação dos níveis psicogenéticos da escrita, pelos quais passam as crianças em seu processo de alfabetização, o que foi um grandioso passo para a compreensão das idéias que regem o pensamento de quem se alfabetiza.

Para estas teóricas existem apenas três níveis psicogenéticos, quais sejam, o Pré Silábico, o Silábico e o Alfabético.

Na prática da sala de aula estes níveis se mostraram ineficientes para classificar toda a rede de pensamento dos alunos alfabetizandos.

O Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação, foi em busca deste esclarecimento e descobriu com muita articulação entre teoria e prática, que na verdade os alunos passam por cinco níveis até se tornarem alfabetizados.

O nível Pré-silábico precisou ser dividido em Pré-silábico 1 e Pré-silábico 2, compreendendo assim o período logográfico da escrita, porque muito fixado ainda na imagem como referente da escrita e não na fala.

No nível Pré-silábico 1 a imagem é concebida como escrita.

“Escrever” CASA para um sujeito neste nível exige a representação gráfica da imagem da casa. Lembremos dos pictogramas de nossos ancestrais. Escrever neste nível é algo demasiadamente concreto ainda, ou melhor dizendo, com um nível de simbolização muito primário.

Muitos alunos que nos chegam no 1º ano do ensino fundamental, essencialmente nas classes populares acreditam que escrever é desenhar, pois não vivenciaram experiências de ouvir ou realizarem pseudo-leituras de histórias. Não viram alguém passando o dedo sob um monte de risquinhos e dizendo fantasticamente, justo aquilo que os desenhos mostravam. Nunca ouviram a mesma história várias vezes, percebendo que ela é contada a cada vez, exatamente com as mesmas palavras.

Ao tentar contar a história lendo nas imagens, ou seja, ao realizar a pseudo leitura a criança percebe que o que ela conta não é igual ao que ela ouve, que faltam detalhes, como os sentimentos, sensações e expressões que o desenho não é capaz de mostrar.

Os alunos da escola pública, na maioria das vezes, têm uma experiência muito precária com a escrita. Vêem muitos anúncios, rótulos, placas com símbolos e é uma conclusão lógica a de se pensar, a partir destas precárias experiências que escrever está relacionado diretamente com imagem. Muitos alunos chegam à escola pensando que escrever é desenhar.

No nível Pré-silábico 2, os alunos já usam sinais. Não estamos nos referindo à letras e sim aos sinais, que podem ser parecidos ou não com letras. Garatujas, bolinhas, risquinhos e cruzinhas são freqüentemente usadas como símbolos de escrita, num ensaio necessário para se chegar às letras.

Neste nível os sujeitos usam símbolos gráficos, que podem ser letras ou não e embora não estejam mais presos à representação através do desenho, ainda relacionam a representação simbólica com a imagem. Por exemplo, para escrever VACA usarão muitos símbolos e para escrever TERNEIRINHO, poucos, pois é menor.

Daí a denominação “período logográfico”, pois são esquemas de pensamento da representação simbólica, ainda vinculados com a imagem.

Ao entrarem no nível silábico os alunos já perceberam que há uma vinculação da escrita com a fala e não com a imagem. O nível silábico já faz parte do período fonético da caminhada rumo à alfabetização.

Esta vinculação ainda é ampla, pois os alunos escrevem um símbolo (insisto, podem ser letras ou outros símbolos) para cada sílaba oral pronunciada, e em muitos casos, em frases e textos, usam um símbolo para cada palavra. Já vi um aluno silábico escrever SAPATO assim: + + +, ou seja, silábico, sem conhecimento de letras.

No nível alfabético o aluno descobre que um símbolo apenas para cada sílaba, não é suficiente e como a esmagadora maioria das sílabas são compostas de duas letras, eles concluem, logicamente, que se trata de juntar duas letras, ou dois símbolos, tanto na leitura como na escrita.

Isto mostra porque Paulo conhecia muito sobre a leitura e a escrita, mas não conseguia ler nem escrever de forma comunicável, ele estava no nível alfabético, mas não alfabetizado.

Delimitemos aqui o que chamamos de alunos alfabetizados. São alunos que se tornaram capazes de ler e escrever com entendimento um texto simples, sem exigência de formalidade estrutural ou ortográfica. Este texto precisa ser entendido por alguém que o leia, no caso da escrita do aluno e o aluno deve ser capaz de dizer o que leu, na leitura de um texto simples que ele não conhecia.

Resumindo, alfabético, não é alfabetizado!

Paulo estava alfabético, coitado, sofrendo e remando contra algo que ele não podia lutar sozinho. Ainda era necessária para ele uma intervenção didática específica que o levasse a ficar alfabetizado.

Paulo é um alfabético clássico, perdido no mundo das sílabas. Preso no fragmento, sem conseguir “amarrar” tudo o que sabe, sem capacidade de globalizar a leitura e a escrita.

Para um alfabético tornar-se alfabetizado ele precisa ser provocado a muitas leituras de palavras memorizadas globalmente, a muitas escritas também memorizadas. Precisa ler textos conhecidos de memória para que se “amarrem” os conhecimentos que construiu e fundamentalmente, precisa sentir-se leitor. A leitura de textos memorizados faz com que o aluno alfabético saiba onde está lendo porque conhece as letras, os sons, se fixa na inicial de cada palavra, mas na verdade ele não está preso na decodificação do som de cada letra. Ele é capaz de associar a pronuncia da palavra global sem ler mecanicamente.

Este tipo de atividade e provocação didática faz com que o aluno se proponha um problema. Ele precisa se desvincular da parte e se concentrar no todo. Ora, isto é estar alfabetizado. Ser capaz de globalizar as palavras sem sonorizar letra por letra, linearmente.

Leiamos o texto a seguir:

“Etsá cpmroavdo que é psosíevl ler um txteo dsede que a piremria e a útlmia ltera de cdaa plaarva etseajm no lguar crteo!”

Esta é a leitura do alfabetizado! Global e não linear, como a do alfabético.

Um aluno que não alcançou este nível, ou seja, que não esteja alfabetizado até o fim do ano letivo, corre o risco de retornar no ano seguinte no nível pré-sílábico.

Como nos ensina Sara Pain, nenhum conhecimento está garantido até que se instale no organismo, até que se feche a rede de um campo conceitual.

Paulo e muitos alunos que avançam para série seguinte porque “eles aprenderam muito, só falta um pouquinho” foram e são vítimas deste mal entendido teórico-didático da alfabetização.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A morte faz parte da vida!

Acabo de perder a minha mãe!
Tenho duas turmas de alfabetização e fico pensando em como trabalhar esta dramática que é minha, neste momento, mas que também faz parte simbólica e concretamente da vida de meus alunos (tenho um aluno que perdeu a mãe quando ele nasceu e o pai quando tinha quatro anos).
Para aprender é preciso abandonar hipóteses anteriores para se instalar em outro nível. Este movimento de “abandonar” uma hipótese segura nos lança em um estado de insegurança muito grande, porque por algum tempo, a sensação é a de que não temos mais nada.
Deste modo, a morte está presente em qualquer processo de aprendizagem, pois é necessário que deixemos idéias morrerem para que outras nasçam.
Penso que poderia colocar para eles perguntas que eu mesma venho me fazendo, no intuito de descobrir o que eles sabem ou pensam sobre elas.
Para onde vão as pessoas que morrem? Existe alma, ou espírito? Porque é necessário morrer? Quem decide a hora das pessoas morrerem?
Como trabalhar com a tristeza e a saudade diante deles? Como levá-los a aprenderem com algo que parece tão terrível, como a morte?
Muitas perguntas estão pairando no pensamento e com certeza, ao conversar com os alunos, mais perguntas vão surgir.
Não tenho o maior intuito de respondê-las,  minha intenção é a de descobrir quais as representações simbólicas que eles fazem sobre a morte. E o que fazer com elas? Ainda não sei, sinceramente, mas acho que poderíamos produzir um texto coletivo. Pensei em levar uma foto da minha mãe para eles a conhecerem e verem como éramos parecidas.
Poderíamos falar das mães que estão com eles e das que não estão. Muitos alunos revelaram na aula-entrevista, quando eu perguntava sobre quem eram as pessoas que moravam com eles, a ausência de sua mãe.
Está  muito difícil pensar didaticamente na abordagem deste tema. Obviamente porque não tenho condições de abordá-lo objetivamente. Estou envolvida até a cabeça com ele.
Por outro lado, a forma como estou encarando a morte de minha mãe pode lhes ser útil, porque não estou desesperada, achando que foi injusto ou que poderia ter sido diferente. Ela morreu concretamente, mas estará para sempre dentro de mim. Não é uma santa, nem a pessoa mais perfeita do mundo. Deixou comigo as coisas que eu escolhi que ficassem e levou com ela as que eu não queria em minha vida!
Aliás, ela sempre me orientou e encaminhou sem me tirar a liberdade de escolher o meu próprio caminho! Sempre me encorajou e estimulou sem deixar de me mostrar que existiam limites.
Minha mãe era alguém que alternava em suas atitudes as funções materna e paterna.