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quinta-feira, 2 de junho de 2011

BUSCANDO UMA PEDAGOGIA PARA A EDUCAÇÃO DA AGRESSIVIDADE

Hoje a aula foi densa, cheia de dramática!


Cheguei à aula e as reclamações do J. P. eram como um bombardeio.

J.P. bateu nesse, J.P. chutou aquele, J.P. empurrou o outro, o J.P. derrubou aquela.

No ano passado, sem saber que ele seria meu aluno, no dia que sua mãe veio fazer a matrícula, eu e ele tivemos uma longa conversa. Estabelecemos uma empatia e conversamos um tempão.

Ele me falava principalmente que quando ele viesse pro colégio dos grandes ele não poderia bater nos colegas. Que era “feio”. Que ele tinha que “chamar a professora” antes de bater nos coleguinhas.

Perguntei se ele já estudava em algum lugar e ele me disse que sim, que estudava na “creche”.

Perguntei em quem ele batia lá. Ele disse que batia nos colegas que o provocavam e o chamavam de “zoinho”. Ele tem um suave estrabismo, mas é suave mesmo, tanto que na turma, absolutamente nenhum colega fez nenhuma alusão a isso.

Tive a grata surpresa de tê-lo como meu aluno este ano!

Nos olhamos e logo nos reconhecemos do ano passado, daquela única conversa e a paixão foi imediata!

Eu via uma questão envolvendo a agressividade, mal resolvida na turma,não só com o J.P.
Era um soquinho ali, um empurrão na fila aqui. Parecia que eu os estava mantendo contidos, com tantas atividades na aula, com a densidade que eu estava cuidando para ter no planejamento. Além do mais, com o horário reduzido que estávamos tendo em virtude das obras, eles não tinham recreio livre. Sempre recreação coordenada por mim.

Hoje, antes dessa eclosão toda, J.P. me contou bem impressionado:

- Profe, sabe que meu pai queria matar a minha mãe hoje? Eu saí correndo pra chamar a minha dinda!

Em seguida fui cercada por vários alunos e disse pra ele, conversamos daqui a pouco. Ele concordou.

No refeitório, na hora do almoço sentei perto dele e ele me contou que o pai bebe cachaça sempre e que bate na mãe sempre, mas que ontem ele havia pegado uma faca e disse que ia matar a mãe dele.

Lembrei muito do que a Dra. Esther Grossi contou sobre seus alunos e pais da Vila Santo Operário (primeira turma de pesquisa do Geempa na alfabetização, na qual ela própria foi a professora), no que se referia à educação da agressividade.

Claro que nas palavras dela esta história se torna bem mais interessante, vou contar resumidamente só o desfecho de todo um trabalho realizado para a educação da agressividade que está disponível nas publicações do Geempa.

http://www.geempa.org.br/

Quando os pais vieram reclamar que ela era muito “frouxa”, oferecendo inclusive um rebenque para que ela os batesse e castigasse ela respondeu, magistralmente, que ela queria que eles aprendessem a resolver seus conflitos com o uso da palavra (que liberta), para que quando adultos, não se tornassem homens que perdem o controle e se tornam violentos, inclusive batendo na esposa.

Os pais empalideceram, guardaram os rebenques e saíram “com o rabo entre as pernas”.

Por outro lado, lembrei da preciosa fala de Sara Pain: “escola é o lugar da palavra”. Ela deixou claro que a violência física na escola não pode ser admitida de forma alguma. Mas obviamente isto não pode ser garantido pela repressão e sim deve ser algo elaborado com a linguagem, embasado em uma postura não moralista.

Sentamos em roda e pedi que falássemos das coisas que nos provocam raiva, assegurando que todos nós sentimos e que é um sentimento que faz parte de todo o ser humano. Afirmei que muitas vezes eu mesma tinha sentido raiva “até” de meu pai e de minha mãe.

J.P. foi o primeiro a falar, dizendo que sentia raiva do seu pai quando ele batia na mãe.

Foi impressionante, mas no fundo esperado por mim. Junto com ele, dos 23 alunos presentes (tenho 25), mais 19 alunos relataram situações de violência doméstica, principalmente contra as mulheres, com relatos pungentes.

Perguntei se eles achavam que o pai gostava da mãe! E a resposta foi geral: sim!

Perguntei por que eles achavam que os pais batiam nas mães e eles disseram que eles bebiam e/ou perdiam o controle. A aluna G. inclusive chegou a colocar esta idéia no texto coletivo.

Perguntei se quando eles fossem adultos eles achavam que bateriam nas mulheres também. Outra resposta unânime: não! Perguntei: por quê? Por que a gente vai se controlar! Tornei a perguntar, por que me intrigou: mas como pensam em conseguir este controle? Uns disseram que não iam beber, outros disseram que nunca iam fumar pedra e o iluminado J.P. disse: tem que conversar “né” profe?

Chamei a atenção dos colegas para a fala dele e perguntei se eles estavam dispostos a aprenderem a se controlar. Todos concordaram e começamos hoje com a política de “resolver seus problemas conversando”.

Combinamos que quando alguém tivesse um problema com um colega, ao invés de me chamar para resolver, ou ir logo batendo poderia pedir licença para sair e conversar. Cada um iria dizer o porquê de estar com raiva e conversar para tentar se entender.

Vamos ver quais serão as cenas dos próximos capítulos!

Segue abaixo o texto produzido coletivamente:



BRIGAS (SUGESTÃO DE N.)



MEU PAI BRIGA COM A MINHA MÃE E BATE NELA.

MEU PAI QUEBROU TUDO DENTRO DE CASA.

ÀS VEZES ELE SAI DO SÉRIO E BEBE.

O MEU PAI DEU UM TAPA NA CABEÇA DA MINHA IRMÃ DE 5 MESES.

MEU PAI BEBE CACHAÇA E BATE NA MINHA MÃE.

MEU PAI ATIROU UMA PANELA BEM NA CABEÇA DA MINHA MÃE.

MINHA MÃE BRIGOU COM MEU PAI PORQUE ELE FOI PRESO.

MEU PAI VAI SE ENTREGAR PRA POLÍCIA E MINHA MÃE VAI SE INTERNAR, PRA ELES “PARA” DE FUMAR PEDRA.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Greve dos Municipários

Como não concordar com as reivindicações salariais dos professores e demais municipários se o que vemos amplamente divulgado nos meios de comunicação são deputados concedendo aumentos a si próprios, a completa ausência de isonomia salarial dentro dos órgãos do governo municipal, o desperdício do dinheiro público, sem contar os milhões de reais que são desviados em negociatas entre os grandes.
É sabido que a escola está ensinando pouco, mas são os professores que devem pagar esta conta sozinhos? E os legisladores, e os magistrados e os grandes que são tão responsáveis quanto os professores, pagam o que, quando e como?
Minha posição ficou clara a quem pode me ouvir: estou apoiando a greve, mas faço questão de recuperar e fiscalizar a recuperação de hora por hora, ou melhor minuto por minuto do que os alunos estão perdendo de aula.
Somos elitizados e sabemos nos organizar para lutar pelos nossos direitos, mas quem vai gritar pelos direitos dos alunos que tem urgência de uma educação de qualidade?

sábado, 7 de maio de 2011

Turma: grupo de sujeitos que aprendem

Janice Viegas Pereira

Maurício era um faltante esporádico, daqueles que nos preocupa na proposta geempiana/pós-construtivista, e nesta semana foi o meu grande resgate!

Sexta feira, dia 06 de maio, Maurício escreveu seu nome pela primeira vez sozinho e aprimorou sensivelmente o traçado das letras.

O que mudou? Qual a descontinuidade da ação pedagógica que provocou esta mudança de caminhos no comportamento e desempenho?

Desde o início estava tendo dificuldades para incluir o Mauricio no meu universo ensinante. Seus esquemas primários me apavoravam. Não por que achasse que ele tinha alguma deficiência, ou dificuldade, mas porque eu não sabia o que fazer efetivamente do ponto de vista didático.

Fiquei buscando alternativas de proporcionar experiências com o traço, mas percebi que não estava acolhendo nada do que ele produzia no grafismo. Queria que ele fizesse letras quando ele não tinha fechado a forma ainda.

O clímax de toda esta busca aconteceu hoje!

Durante a semana comecei a pensar na questão do traço e percebi que teria que proporcionar espaços de problemas para trabalhar esta questão. Teria que ser algo rápido, sistemático, que oportunizasse diariamente a escrita livre de “letras”, além do momento do desenho.

Mauricio não tinha identidade na turma e literalmente ele não estava sendo meu aluno, porque aluno é o sujeito que aprende.

Eu não estava conseguindo ser sua professora porque não conseguia ensiná-lo, não sabia o que fazer.

Porém ao propor-me a pensar e estudar sobre este processo que eu ignorava, não fiz um estudo profundo sobre a questão do traço e movimento, obvio que busquei informações sobre isso, mas essencialmente estudei a fundo sobre o princípio maior da aprendizagem, qual seja, o de que ela é um processo social com potencial eterno, mas que depende das experiências, das provocações e do acolhimento. Percebi que precisavam de experiências de traçado, muitas. Precisava mergulhá-lo no traço como na leitura e na escrita.

Não adiantava esperar que ele avançasse sem considerar que precisava de um olhar especial e pior ainda seria pensar em atividades que o excluísse da turma: atividades individuais, em separado, como um reforço. O que ele precisava era sentir-se sujeito desta turma. Ele estava sem identidade na turma, mas principalmente para mim. Eu não sabia quem ele era, ou mais drasticamente, posso afirmar que ele não estava bem definido como um indivíduo existente no meu universo ensinante.

Diante do exposto, pretendo mostrar que meu olhar sobre ele não mudou por acaso. Houve um movimento que provocou a descontinuidade do processo que estava se desenhando.

Hoje, conversei com a turma sobre a questão da aprendizagem do nome do Maurício. Obviamente que não foram os colegas que ensinaram o Maurício, do ponto de vista didático, mas algo aconteceu no âmbito dramático.

Valorizei muito seus desempenhos, cada presença super comemorada, cada traço super acolhido! Olhos nos olhos, olhos no conhecimento!

Ao enxergar-se, de forma positiva, como alguém presente no meu universo de pensamentos, centro de uma assembléia com toda a turma, Maurício passou a existir concretamente no panorama da turma: grupo de sujeitos que aprendem e concretamente aprendeu o seu nome a partir da construção de sua identidade como aluno.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Pensando no traço

João Paulo e Maurício não sabem reproduzir sequências de letras. Não respeitam a ordem. Não logram sequer reproduzir os traços das letras. Não coordenam o que vêem com o que reproduzem. Para eles a linguagem só aparece depois do traçado. Eles não são capazes de dizer e fazer ao mesmo tempo: risquinho reto de pé, risquinho embaixo deitado, preso na pontinha de baixo indo pro lado de “lá”.

A grosso modo é como se mão deles se movimentasse sozinha mesmo. Pensando nos bebês que têm movimentos involuntários, que chutam, que esticam os braços, que encolhem e esticam bem rápido as pernas, que são “ensaios” para movimentos coordenados pelo cérebro, consigo fazer uma relação com a escrita de letras. João Paulo e Maurício escrevem involuntariamente, parece que o cérebro não consegue ainda coordenar os movimentos que as mão fazem com o lápis.

Por quê?

Vamos pensar!

Esse é o panorama conceitual deles no que se refere aos traços.

Ora, se eles ainda não conseguem coordenar os movimentos é porque não tiveram experiências de riscar, de ver e rever os efeitos que o seu movimento provoca no papel. Assim como os bebês se movem involuntariamente, percebem os efeitos que isso causa, sendo gradativamente capazes de repetir as experiências, com consciência, penso que estes alunos precisam ser provocados a muitas experiências de traços, mas repito, de traços, não de letras especificamente. Eles “ensaiaram” muito pouco.

Sempre relacionamos a aprendizagem da escrita com a da fala, quer dizer, não selecionamos as palavras por complexidade para falar na frente de bebês e crianças. Simplesmente falamos e os bebês começam a querer repetir e erram e tentam de novo e repetem. Ninguém se apavora se uma criança diz: balata, ao invés de barata. Ninguém diz: ah, meu Deus, tem uma dificuldade na cabeça.

Na escrita, a nossa defesa pós-construtivista é a de que se aprende a falar falando, se aprende escrever, escrevendo e a se aprende a ler lendo.

Este é o princípio! Então, como levar isso pra questão do movimento?

Escrever letras está totalmente relacionado com movimento, em outra escala. Na escala da representação, reprodução, simbolização gráfica.

Sim, mas e daí? Como fazer para recuperar uma defasagem tão grande! A turma inteira já copia palavras , letras e alguns são capazes de copiar pequenos textos e eles nem logram ter ainda intencionalidade e controle dos traços.

Se lhes faltam experiências, temos que craniar para que tenham experiências que possam acelerar o seu processo na escola. É pra isso que existimos!

Ok, eles precisam traçar, traçar, traçar e traçar. Precisam repetir traços, tentar fazer letras, errar, fazer de novo, deixar a mão fazer movimentos para que se surpreendam com eles mesmos, para que se impressionem quando virem que um risco sem intenção parece um L. Eles precisam tentar, repetir, errar, tentar de novo, conseguir, ficar feliz!

Mas por que razão, com qual motivação? Como forjar em sala de aula uma situação significativa, que não os rotule de incapazes perante a turma, que não os desloque das atividades que os colegas estão realizando?


Pensei num campeonato de escrita de letras.

No primeiro dia entregaria ¼ de folha de ofício e pediria que cobrissem a folha toda com letras, frente e verso.

Contaríamos as letras, símbolos, riscos que cada um conseguir colocar na sua folha e iniciaríamos um ranking, com direito a cartaz (de papel pardo, neh?).

Ao final de um determinado prazo, que pode ser uma semana, fecharíamos o ranking e identificaríamos os vencedores.

A cada dia eu entregaria um pedaço de papel, fazendo parte da rotina, para o campeonato de escrita de letras. Poderia colocar o despertador do celular para marcar o tempo.

Pensei em algumas regras: “letra” feita por cima de outra não será contada; não pode usar borracha; os traços devem ser variados ( não vale só A, por exemplo).

Obvio que vou acolher qualquer traço, porque o que eu quero mesmo é que o João Paulo e o Maurício tenham muitas experiências de traços e experiências acolhedoras, que os valorize.

Os alunos que já sabem fazer letras também vão gostar, pois é uma atividade que acolhe algo que eles sabem.

É uma atividade que ocupará de 5 a 10 minutos por dia e pode suprir as necessidades deles de riscarem.

Que acham?