Páginas

Seja bem-vindo

TODOS PODEM APRENDER

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Pensando no traço

João Paulo e Maurício não sabem reproduzir sequências de letras. Não respeitam a ordem. Não logram sequer reproduzir os traços das letras. Não coordenam o que vêem com o que reproduzem. Para eles a linguagem só aparece depois do traçado. Eles não são capazes de dizer e fazer ao mesmo tempo: risquinho reto de pé, risquinho embaixo deitado, preso na pontinha de baixo indo pro lado de “lá”.

A grosso modo é como se mão deles se movimentasse sozinha mesmo. Pensando nos bebês que têm movimentos involuntários, que chutam, que esticam os braços, que encolhem e esticam bem rápido as pernas, que são “ensaios” para movimentos coordenados pelo cérebro, consigo fazer uma relação com a escrita de letras. João Paulo e Maurício escrevem involuntariamente, parece que o cérebro não consegue ainda coordenar os movimentos que as mão fazem com o lápis.

Por quê?

Vamos pensar!

Esse é o panorama conceitual deles no que se refere aos traços.

Ora, se eles ainda não conseguem coordenar os movimentos é porque não tiveram experiências de riscar, de ver e rever os efeitos que o seu movimento provoca no papel. Assim como os bebês se movem involuntariamente, percebem os efeitos que isso causa, sendo gradativamente capazes de repetir as experiências, com consciência, penso que estes alunos precisam ser provocados a muitas experiências de traços, mas repito, de traços, não de letras especificamente. Eles “ensaiaram” muito pouco.

Sempre relacionamos a aprendizagem da escrita com a da fala, quer dizer, não selecionamos as palavras por complexidade para falar na frente de bebês e crianças. Simplesmente falamos e os bebês começam a querer repetir e erram e tentam de novo e repetem. Ninguém se apavora se uma criança diz: balata, ao invés de barata. Ninguém diz: ah, meu Deus, tem uma dificuldade na cabeça.

Na escrita, a nossa defesa pós-construtivista é a de que se aprende a falar falando, se aprende escrever, escrevendo e a se aprende a ler lendo.

Este é o princípio! Então, como levar isso pra questão do movimento?

Escrever letras está totalmente relacionado com movimento, em outra escala. Na escala da representação, reprodução, simbolização gráfica.

Sim, mas e daí? Como fazer para recuperar uma defasagem tão grande! A turma inteira já copia palavras , letras e alguns são capazes de copiar pequenos textos e eles nem logram ter ainda intencionalidade e controle dos traços.

Se lhes faltam experiências, temos que craniar para que tenham experiências que possam acelerar o seu processo na escola. É pra isso que existimos!

Ok, eles precisam traçar, traçar, traçar e traçar. Precisam repetir traços, tentar fazer letras, errar, fazer de novo, deixar a mão fazer movimentos para que se surpreendam com eles mesmos, para que se impressionem quando virem que um risco sem intenção parece um L. Eles precisam tentar, repetir, errar, tentar de novo, conseguir, ficar feliz!

Mas por que razão, com qual motivação? Como forjar em sala de aula uma situação significativa, que não os rotule de incapazes perante a turma, que não os desloque das atividades que os colegas estão realizando?


Pensei num campeonato de escrita de letras.

No primeiro dia entregaria ¼ de folha de ofício e pediria que cobrissem a folha toda com letras, frente e verso.

Contaríamos as letras, símbolos, riscos que cada um conseguir colocar na sua folha e iniciaríamos um ranking, com direito a cartaz (de papel pardo, neh?).

Ao final de um determinado prazo, que pode ser uma semana, fecharíamos o ranking e identificaríamos os vencedores.

A cada dia eu entregaria um pedaço de papel, fazendo parte da rotina, para o campeonato de escrita de letras. Poderia colocar o despertador do celular para marcar o tempo.

Pensei em algumas regras: “letra” feita por cima de outra não será contada; não pode usar borracha; os traços devem ser variados ( não vale só A, por exemplo).

Obvio que vou acolher qualquer traço, porque o que eu quero mesmo é que o João Paulo e o Maurício tenham muitas experiências de traços e experiências acolhedoras, que os valorize.

Os alunos que já sabem fazer letras também vão gostar, pois é uma atividade que acolhe algo que eles sabem.

É uma atividade que ocupará de 5 a 10 minutos por dia e pode suprir as necessidades deles de riscarem.

Que acham?